Os enigmas do silêncio

Os enigmas do silêncio

Última atualização: 03 abril, 2015

Quase ninguém é capaz de tolerar o silêncio absoluto por muito tempo. A ausência de sons é como uma espécie de jejum, uma privação incômoda que, no mundo contemporâneo, não tem muito espaço, nem é muito apreciada. Uma prática constante pode provar o que foi dito acima: Consiste em deixar a TV ou o rádio ligados, só para evitar que o silêncio tome conta… Só para ouvir algum som.

Às vezes, o silêncio absoluto se assemelha a uma  solidão  monstruosa, como um abandono insuportável. Outros encontram, no silêncio, apenas uma inquietude, mais ou menos, incômoda. Alguns o veem como um aliado, sempre e quando não persista além de algumas horas.

Que possamos ao menos ouvir o eco do trânsito da cidade, ou o leve som do campo. Pelo menos isso! O silêncio parece invocar a morte.

Os silêncios

O silêncio dos apaixonados é muito romântico… Eles se olham nos olhos e “não precisam falar para se entender”, como já ouvimos isso repetidas vezes. É relaxante o silêncio daquele que está agoniado com tanto ruído e, finalmente, encontra um oasis na selva acústica em que vive. Maravilhoso é o silêncio que vem logo após a felicidade.

Porém, existem outros silêncios menos amáveis… Como aquele que nos lembra que estamos sós, em geral, ou afastados de alguém em particular. O silêncio da resposta que não chega. Como o silêncio das palavras daqueles que já se foram; Palavras que nunca escutaremos. O “eu te amo”, “te entendo”, “eu preciso de você”, “te admiro” que nunca ouvimos, ou que nunca dissemos. O silêncio que se alojou dentro de nós mesmos e bloqueou as saídas. A ausência das palavras num olhar duro, ou num gesto cruel.

Os silêncios impostos: “Cale a boca!”. O emocionante silêncio que sucede o anúncio do ganhador de um sorteio. A silenciosa tensão de quem aguarda um veredito. O silêncio do universo, com seus planetas, suas estrelas e seus corpos flutuantes, na mais absoluta ausência de som.

Há algo de misterioso no terreno do silêncio que, de certo modo, nos fascina! E que também nos apavora.

O poder do silêncio

Enquanto no Ocidente, falar pouco pode ser interpretado como não ter muito o que dizer, no Oriente, ocorre o contrário: quem fala muito é perturbador e suspeito de farsa. No Oriente, o silêncio tem um significado profundamente espiritual e relacionado com o mundo ético. O silêncio místico convida a uma viagem pelas fibras íntimas das raízes plantadas em nossas vidas.

No Oriente, o silêncio é ativo. É indicativo e busca, introspecção, encontro com sua voz interior. Quem cala, tem o poder. Quem fala fica, irremediavelmente, preso àquilo que disse.

No Ocidente, o silêncio expressou sua força no cinema clássico de Chaplin. Nas inteligentes mímicas de Marcel Marceau, que chegou a afirmar: “Você deve compreender o que é o silêncio, qual é o peso e qual é o poder do silêncio”. Certamente, é algo difícil de compreender, ainda mais numa época empenhada à hiper comunicação, mesmo que, às vezes, realmente não tenhamos nada para dizer. Ainda que, algumas vezes, nossas conversas não passem de meras repetições, sem descanso, das mesmas fórmulas gastas, dos mesmos lugares comuns, da mesma ladainha social, política ou de negócios.

Na psicanálise, o silêncio atua como um pilar que sustenta todo o andamento do processo. O analista oferece seu silêncio como um convite para que demonstremos nossa própria voz, nossa capacidade de ouvir o nosso próprio discurso. O silêncio de quem analisa a si mesmo, fala de suas resistências ou da brusca invasão daquilo que lhe custava muito dizer.

Também, dentro da estrutura da psicanálise, há uma forma de silêncio que é insuperável. Apesar de tudo, o inconsciente é um discursso sem palavras. É daquele tipo de silêncio que, frente ao “indizível”, surge uma nova linguagem que não é feita de palavras, para explicar a si mesma; surge mais como uma intuição, sugestão, paradoxo, pré-texto para falar de si mesma… O material de que são criadas a arte e a poesia é assim. Como a seguinte poesia, com a qual podemos fechar esse tema:

As três palavras mais estranhas

Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já pertence ao passado.
Quando pronuncio a palabra Silêncio,
destruo-a.
Quando pronuncio a palavra Nada,
crío algo que não cabe em nenhuma não-existência.

– Wislawa Szymborska –

Créditos da imagem: Victor Nuño – Através de seu Flickr.


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